Conceituações sobre o modelo de produção transmídia





As empresas de notícias não podem mais ser pensadas sem levarmos em consideração os inevitáveis cenários da cultura da convergência dos meios e da cultura da participação. A articulação entre as diferentes mídias não é um fenômeno novo. Vivemos atualmente numa cultura participativa, principalmente, se levarmos em consideração às dinâmicas de mídia há alguns anos atrás, especialmente as mídias hegemônicas. Nessas circunstâncias, os dispositivos móveis e as mídias sociais transformaram não só as formas dessa articulação entre as mídias, como também a relação entre as empresas de mídia e o seu público. A seguir você lerá um capítulo da pesquisa "Estratégias transmídias no Instagram Stories de jornais brasileiro", defendida por este autor, no Departamento de Comunicação Social (DCOM) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2018.

A discussão sobre o modelo de produção transmídia tornou-se popular com os conceitos do teórico estadunidense Jenkins (2009), que estuda, no entretenimento, as narrativas transmídias em ambiente de convergência, de cultura participativa e de inteligência coletiva.

No que diz respeito ao modelo transmídia da cultura participativa, Jenkins (2009) destaca a possibilidade dos consumidores de conteúdos de mídia servirem-se de mídias sociais para interagirem de diversas formas, alargando o espalhamento dos produtos de mídia, e fomentando competências para que se engajem com esses produtos distribuídos em diversos meios. O autor explica que: 

“A expressão cultura participava contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. Nem todos os participantes são criados iguais. Corporações — e mesmo indivíduos dentro das corporações de mídia — ainda exercem maior poder do que qualquer consumidor individual, ou mesmo um conjunto de consumidores. E alguns consumidores têm mais habilidades para participar dessa cultura emergente do que outros” (Jenkins, 2009, p. 30). 

Vimos como os smartphones se tornaram cada vez mais importantes nesse cenário de cultura participativa e engajamento dos consumidores. Fechine et al. (2013), entende o engajamento como “o envolvimento do consumidor/usuário com determinado produto da indústria midiática que, tirando proveito das propriedades das mídias digitais, resulta na sua intervenção sobre e a partir dos conteúdos que vai consumir” (Fechine et al., 2013, p. 28). Sobre os conteúdos transmídia Fechine et al. (2013) explica que “são aqueles que resultam de ações estratégicas de uma instância produtora interessada em promover o engajamento do consumidor com seu produto” (p. 31). 

As iniciativas transmídias caracterizam-se por desdobramentos, associações e, complementaridade de conteúdos em distintos meios/plataformas. Embora tenham sido pensadas inicialmente para o entretenimento, é preciso lembrar que as empresas de noticias passaram a adotar as estratégias transmídias, assimilando-as junto às reconfigurações do jornalismo na web. Apresentaremos nesta seção conceitos de autores que estudaram tal fenômeno, considerando-os a partir das especificidades desse modelo de produção no campo do jornalismo, que lida com fatos. As estratégias transmídias, apoiadas no emprego de mídias sociais móveis, são o foco específico do nosso trabalho. Definir e descrever essas estratégias é uma etapa necessária para que possamos, mais adiante, postular que o uso do Instagram Stories pelos jornais Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo pode ser considerado como parte de uma ação transmídia.

Vamos entender os conceitos:


Foi Jenkins (2009, p.138) que popularizou os estudos sobre o fenômeno de articulação de conteúdos entre mídias, no entretenimento, ao descrever as Narrativas Transmídias como uma história que se desenrola “através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. Para o autor (2009, p.138), em uma narrativa transmídia, “cada meio faz o que faz de melhor a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões”. O autor explica que a narrativa transmídia faz do público como caçadores e coletores de informações, uma vez que:

“A narrativa transmídia refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta a convergência das mídias — uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento. A narrativa transmídia é a arte da criação do universo. Para viver uma experiência plena no universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica” (Jenkins, 2009, p. 49).


O modelo de produção transmídia, além da articulação em conjunto com as diversas mídias, propõe “o envolvimento do consumidor/usuário com determinado produto da indústria midiática, que tirando proveito das propriedades das mídias digitais, resulta na sua intervenção sobre e partir dos conteúdos que vai consumir (um tipo de agenciamento)” (Fechine et al., 2013, p. 28).

No jornalismo, o modelo transmídia assume um papel social expressivo numa era de cultura participativa e conectada em rede. Dentro dessa lógica, o fazer jornalístico é amplamente reconfigurado pelas tecnologias digitais num cenário de mídia propagável. Jenkins, Green e Ford (2014) se referem a propagabilidade dos conteúdos em mídias sociais em relação ao engajamento do público: 

“A ‘propagabilidade’ se refere aos recursos técnicos que tornam mais fácil a circulação de algum tipo de conteúdo em comparação com outros, à estruturas econômicas que sustentam ou restringem a circulação, aos atributos de um texto de mídia que podem despertar a motivação de uma comunidade para compartilhar material e às redes sociais que ligam as pessoas por meio da troca de bytes significativos” (Jenkins; Green; Ford; 2014, p. 26-27). 


Jenkins, Green e Ford (2014) explicam ainda que a cultura da convergência e as produções transmídias implicam num modelo de engajamento que “sugere que ter alguma coisa para fazer também dá aos fãs algo sobre o que falar e os incentiva a propagar conteúdo para outros membros potenciais de público” (Jenkins; Green; Ford, 2014, p. 175). Essa cultura participativa é o que distingue, fundamentalmente, a transmidiação de outros fenômenos de articulação entre mídias no cenário de convergência. As ações transmídias exigem a participação de quem consome o produto (no nosso caso, o leitor dos jornais on-line) ainda que sejam apenas correlacionando os conteúdos associados, mas disponibilizados em distintas mídias. Cabe a esse consumidor de mídias, o “trabalho” de  conectar esses conteúdos.  

Jenkins, Green e Ford (2014) explicam que estamos deixando um modelo baseado em hora marcada, quando as empresas definiam quando teríamos acesso aos conteúdos midiáticos, para o modelo baseado em engajamento.

“(...) o papel das audiências sociais cada vez mais engajadas e do trabalho consciente e ativo que o público está dedicando ao conteúdo de mídia para seus próprios propósitos está promovendo mudanças na forma como as empresas de mídia e as marcas se envolvem com seus públicos” (Jenkins; Green; Ford, 2014, p. 194). 

Fechine et al. (2013) argumentam que as produções transmídias são, na maioria das vezes, “iniciativas localizadas no âmbito dos grandes conglomerados midiáticos, que possuem interesses cruzados no cinema, na TV aberta e a cabo, em jornais e revistas, no mercado editorial ou nos meios digitais” (Fechine, 2013, p. 25). Esse é o caso das empresas de notícias, no cenário de convergência, que produzem conteúdos em mídias diferentes. Assim, podem articular conteúdos pensados para o jornalismo impresso com radiofônico, na televisão, nos portais on-line da web e nas mídias sociais da internet e vice-versa. 

As investigações das telenovelas “Amor Eterno Amor”, “Lado a Lado”, “Cheias de Chame”, “Avenida Brasil” e “Gabriela” possibilitaram a Fechine et al. (2013) fazer proposições e conceituações sobre transmídia, e identificar estratégias e conteúdos transmídias associados ao formato mais importante da televisão brasileira: a telenovela. Com base na observação da ficção seriada brasileira, Fechine et. al (2013), consideram que nem todas as ações transmídias manifestam-se como uma narrativa stricto sensu. Fechine et al. (2013) tratam a transmidiação, nas suas mais diversas formas de manifestação, um modelo de produção: 

“Entendemos transmidiação como um modelo de produção orientado pela distribuição em distintas mídias e plataformas tecnológicas de conteúdos associados entre si e cuja articulação está ancorada em estratégias e práticas interacionais propiciadas pela cultura participativa estimulada pelo ambiente de convergência” (Fechine et al., 2013, p. 26).


Jenkins (2009) fala que cada conteúdo produzido na lógica transmídia deve desenvolver-se através das diferentes mídias, de maneira independente, e desempenhando sua melhor forma, a fim de que o público possa ser remetido para o conteúdo principal. Assim, “cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo. A compreensão obtida por meio de diversas mídias sustenta uma profundidade de experiência que motiva mais consumo” (Jenkins, 2009, p. 138). Interessa-nos neste estudo, no entanto, as “franquias jornalísticas”.

Rego (2017) argumenta que “o objetivo das franquias jornalísticas, relacionadas às estratégias comerciais das empresas de comunicação, é semelhante ao das franquias de entretenimento” (Rego, 2017, p. 36), pois, em ambos os casos a intenção é ampliar a marca da empresa através do fornecimento de conteúdo em outras mídias. 

Pensando as definições propostas, notamos que, para o estabelecimento do modelo de produção transmídia, algumas condições são necessárias. A primeira delas é a necessidade de organização de produtos específicos que possam exercer as potencialidades para cada mídia, uma vez que “os conteúdos transmídia são aqueles que resultam de ações estratégicas de uma instância produtora interessada em promover o engajamento do consumidor com seu produto” (Fechine et al., 2013, p. 31).

É necessário também, como vimos, a articulação entre os conteúdos das diferentes mídias, o que implica que a instância produtora (empresa de notícias, no caso) deve eleger uma mídia de referência a partir e em relação a qual são desenvolvidos conteúdos associados: ou seja, “todo projeto transmídia, como vimos, desenvolve-se a partir de um texto de referência a partir do qual se desenvolvem as estratégias” (Fechine et al., 2013, p. 32).

Fechine et al. (2013) explica ainda que os conteúdos transmídias implicam no reconhecimento das articulações entre a mídia principal com as mídias associadas.

“Pode-se considerar então que, apesar da integração entre meios ser a base dos fenômenos transmídias, há uma regência de uma determinada mídia na articulação que se promove entre elas. É nessa ‘mídia regente’ que se desenvolve o texto de referência (um programa narrativo principal) a partir do qual se dão os desdobramentos e articulações” (Fechine et al., 2013, p. 29).


Comentários

Postagens mais visitadas